BAIXADA FLUMINENSE – Tania Amaro¹
A Baixada Fluminense é uma região que vem se afirmando ao longo dos anos. Sua ocupação foi iniciada com a fundação da cidade do Rio de Janeiro, no ano de 1565, esta que serviu de base para a expulsão dos franceses que haviam ocupado a baía de Guanabara no século XVI.
O conceito de Baixada Fluminense é uma expressão polissêmica que depende do interesse dos pesquisadores, da escala de observação, da atuação das instituições ou grupos políticos. A expressão pode assumir configurações geográficas, econômicas, políticas e culturais diferenciadas. Segundo o dicionário Aurélio, baixada significa “planície entre montanhas”, já fluminense origina-se do latim (flumen, que significa “rio”); esta denominação se aproxima da de “iguassu” que na língua tupi significa “muita água”. Esta designação já era utilizada pelos nativos da região antes da chegada dos europeus e, provavelmente, pelo Rio Iguaçu contar, em seu entorno, com muitas áreas alagadiças. Aproximando-se destas concepções, a Baixada Fluminense seria uma região de terras baixas, planas, recortadas por rios e, em boa parte, alagadiças, que estaria compreendida entre as cidades de Campos, no extremo norte do Estado do Rio de Janeiro, e Itaguaí. Esta interpretação está ligada às análises históricas que tratam da realidade regional até o século XIX, e aproxima-se de um conceito muito utilizado pelos geógrafos, o de Recôncavo Guanabarino: área de terras baixas entre a Serra do Mar e a Baía de Guanabara, estendendo-se de São Gonçalo a Nova Iguaçu.
Atualmente, a denominação Baixada Fluminense designa uma série de municípios que, de acordo com o objetivo das pesquisas, pode relacioná-la a uma área mais próxima ao entorno da Baía de Guanabara ou ainda, a uma extensão que abranja municípios mais distantes.
Após a expulsão dos franceses no século XVI, as áreas do Recôncavo da Guanabara desenvolveram-se através da doação de sesmarias, lotes extensos de terras concedidos pela Coroa portuguesa àqueles que deveriam ocupar esta parte da colônia e iniciar o processo de produção que atendesse às demandas da metrópole. Através dos rios que cortavam a região do Recôncavo da Guanabara – Meriti, Sarapuí, Iguaçu, Inhomirim, Magé , Suruí, entre outros –, a ocupação portuguesa foi se implementando e dezenas de engenhos de açúcar, capelas e povoados foram surgindo.
A região sempre teve uma posição estratégia e uma relação estreita e significativa com a cidade do Rio de Janeiro, sendo área de produção de alimentos para a cidade, assim como, também, área de passagem do ouro que vinha das Minas Gerais no século XVIII, em direção ao porto carioca. Com a necessidade do escoamento do ouro e o abastecimento da província mineira, a Baixada da Guanabara passou a ter importância estratégica, pois se transformou em área obrigatória de passagem, por conta de seus rios, bem como pelas estradas que foram abertas através das serras para que o trânsito de mercadorias se desenvolvesse melhor. O “Caminho Novo” ou “do Pilar”, aberto devido às necessidades oriundas da mineração, entre elas a necessidade de um caminho rápido, econômico e seguro, que ligasse o Rio de Janeiro à região mineira, intensificou as relações daquela cidade com os portos da Estrela, Pilar e Iguaçu, promovendo a interação através da navegação no interior da baía. Durante o século XVIII, eram três os caminhos oficialmente reconhecidos entre o Rio de Janeiro, através da Baixada da Guanabara, e a região das Gerais. Entre 1699 e 1704, foi aberto o Caminho Novo do Pilar; no ano de 1724, o Caminho Novo de Inhomirim; e, em 1728; o Caminho Novo do Tinguá. Todos esses caminhos, depois de subir a serra do Mar, se encontravam em Stº. Antônio da Encruzilhada, pouco antes de atingir a margem direita do rio Paraíba. A designação “novo” era aplicada a qualquer estrada que viesse a ser aberta, assim existiam vários “caminhos novos” ao mesmo tempo.
Ainda, no século XIX, as freguesias da Baixada da Guanabara, região hoje conhecida como Baixada Fluminense, intensificaram ainda mais suas relações com o Rio de Janeiro, abastecendo a então capital com alimentos e madeira e passando a armazenar e escoar a produção do café do Vale do Paraíba, sendo também áreas de investimento do capital privado alocado na abertura de estradas e na construção da Estrada de Ferro Barão de Mauá (1854), principais vias de circulação de mercadorias do eixo Minas Gerais – Rio de Janeiro.
Não podemos deixar de citar a inauguração da primeira estrada de ferro construída no Brasil, no ano de 1854, quando, no dia 30 de abril, o Barão de Mauá concretizava projeto, que ligando o porto de Mauá – Estação da Guia de Pacobaíba à região de Fragoso, em Raiz da Serra, na subida para Petrópolis, iniciaria a era ferroviária no Brasil e tornar-se-ia um marco histórico da ocupação urbana na região do recôncavo da baía de Guanabara. Esse trecho da estrada de ferro era apenas o início de um projeto mais amplo, que pretendia reduzir o tempo que se gastava com o escoamento da produção cafeeira do interior para o porto do Rio de Janeiro. Esta ferrovia provocou um impacto significativo no Rio de Janeiro, mas, sobretudo, na região da Baixada da Guanabara. Depois dela, outras estradas de ferro foram inauguradas, como a Pedro II (1858) e a The Leopoldina Railway Company (1886), esta cortando a área de Merity, atual município de Duque de Caxias.
A partir daquele momento, as estradas de ferro tornaram-se um marco histórico da ocupação urbana, dando novo perfil à ocupação da região. Foi o início do fim dos portos fluviais, da navegação pelos rios e dos caminhos dos tropeiros, modificando por completo as relações comerciais e a ocupação do solo. Foi um momento de decadência em várias áreas por onde o trem não passava, mas foi também o começo do processo de surgimento de vilas e povoados que se organizaram ao redor das estações ferroviárias, origem de muitos bairros e de cidades atuais da Baixada Fluminense.
Portanto, a Baixada da Guanabara, ao longo dos séculos, constituiu-se como uma importante região de passagem entre o interior e o litoral. Esta posição estratégica contribuiu decisivamente para transformações tanto na cidade do Rio de Janeiro como na própria região, revelando uma estreita interdependência econômica, social e cultural.
A partir das décadas que sucederam a II Guerra Mundial, os municípios que integram a Baixada tiveram um crescimento demográfico acentuado, que foi resultado de processos migratórios de diversas áreas do Brasil e de tantas outras nações do mundo. Esta população tão diversamente heterogênea é composta por povos de diversas origens e identidades culturais, formando um mosaico riquíssimo de tendências que se manifestam nos comportamentos sociais, nas artes, na política, na economia e nos mais diversos campos da vida em sociedade.
Apesar de envolvida com enormes conflitos ambientais devido a um desenvolvimento urbano desordenado, com problemas de poluição e violência, a Baixada tem hoje um crescimento econômico acentuado, com a instalação de indústrias e arrecadação de impostos, o que deve ser olhado com um viés crítico. A hoje denominada Baixada Fluminense é a segunda mais importante região do Estado e uma das mais importantes microrregiões do País. Com uma população de mais de três milhões e meio de habitantes, possui vasto patrimônio histórico e cultural, além de ser uma região privilegiada pelos seus recursos naturais.
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¹ – Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Letras e Ciências Humanas da UNIGRANRIO. Professora de História da rede estadual de ensino e da graduação em História da UNIGRANRIO. Coordenadora da Pós Graduação lato sensu História Social da Baixada Fluminense. Sócia fundadora e diretora de pesquisa da Associação dos Amigos do Instituto Histórico / CMDC. Diretora do Instituto Histórico da Câmara Municipal de Duque de Caxias.